Festa de São Benedito
e Tia Lurdinha
CONTE-NOS SUA HISTÓRIA
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Fonte: Jamile Sousa da Silva
Entrevista por Keila Serruya Sankofa
Texto: Jéssica Dandara
“Não é direito não é legal
Mudar o nome de Praça 14
Para Praça Portugal”.
Até hoje, há quem diga que não existem negros e negras no Amazonas, mas os próprios afrodescentes desta terra não deixam o legado de suas existências morrer.
A existência do Quilombo de São Benedito é fruto de resistência histórica de negros e negras nesse lugar. O Quilombo de São Benedito, quilombo urbano localizado no bairro Praça 14, antes era conhecido como Barranco da Negada. Foi por meio do Ministério Público, em 2013, que começou o processo de reconhecimento da história da comunidade do barranco enquanto quilombo, para então, em 2014, haver a certificação da Fundação Palmares como quilombo urbano.
A cultura faz parte dos costumes da história de um povo, e os mais de 300 remanescentes quilombolas mantêm a tradição e os costumes ao redor de São Benedito, o padroeiro da vila. Ele é apontado como o responsável pela preservação da tradição dos fundadores da comunidade do Barranco. A igreja de Nossa Senhora de Fátima, no bairro Praça 14 de Janeiro, deveria ter o nome do santo protetor dos negros, mas por pressão dos portugueses isso não aconteceu. Mesmo assim, a comunidade realiza há mais de um século os festejos em honra ao padroeiro, com a estátua trazida pela avó Severa do Maranhão, após ser alforriada.
Foi na Praça 14 que surgiu a primeira escola de samba de Manaus: a Escola Mixta de Samba da Praça 14 de Janeiro, fundada em 1946 e que existiu até o ano de 1962. Estava, ali, o embrião para a fundação, em 1975, da Vitória Régia, a querida verde e rosa.
Uma das suas mais destacadas brincantes era Tia Lurdinha. Famosa baiana e quituteira da Vitória Régia, ela desfilou por quase 30 anos pela Mixta e, quando em vida, sempre cantava um trecho de um samba de protesto da década de 1950 da antiga agremiação, de autoria de Zé Ruindade, que dizia: “Não é direito /Não é legal / Mudar o nome de Praça 14 / Para Praça Portugal”.
No Quilombo de São Benedito, uma de suas tradições é a Festa de São Benedito. A cultura africana, através de seus costumes, tradições, músicas, danças e comidas será fortemente representada em Manaus, a partir do início da Festa de São Benedito, realizada há 130 anos, na Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito, no bairro Praça 14.
Hoje a festa é organizada por Jamily Sousa da Silva. Amazonense, Jamily é nascida em 7 de julho de 1976. Filha de Manoel Paixão Oliveira da Silva e Joselene do Nascimento Sousa. Jamile é prima de Keilah Fonseca, e Tia Lurdinha foi irmã de sua avó. Além da festa, Jamily é responsável também pelo Pagode do Quilombo e a famosa feijoada que é distribuída no festejo.
A infância da geração de Jamile, livre de eletrônicos, foi de muitos quintais e fruteiras, muitos primos também, que sempre defendiam uns aos outros e eram incentivados por suas famílias a não abaixarem a cabeça pra ninguém. Na comunidade, eles faziam seus próprios carnavais, suas próprias festas, inclusive a Festa de São Benedito.
No Quilombo de São Benedito há uma tradição histórica de lideranças femininas, são famílias que, em sua maioria, são matriarcais. Os homens tinham sua contribuição como força braçal, mas a liderança iniciou e se perpetuou através das mulheres.
Esta é uma tradição iniciada por sua avó Severa, que veio do Maranhão, e está no topo da árvore genealógica da família. O posto de liderança passou dela para a sua nora, a vovó Paula, como carinhosamente a chama Jamily, depois para a sua filha mais velha, tia Bárbara e depois dela a tia Lurdinha, que era a filha caçula da vó Paula.
Atualmente, a responsabilidade da Festa de São Benedito está com Jamile Sousa, posto passado a ela por sua tia Jacimar Souza da Silva, a tia Simá (que organizou a festa de 2003 à 2009), sucessora de tia Lurdinha.
A Festa de São Benedito tem duração de 9 dias, e um dos acontecimentos da festa é a levantada do mastro, no domingo do mastro. Com a tia Simá algumas tradições que antes eram estabelecidas, mudaram. Quando iam buscar o mastro para a sua levantada na festa, somente homens iam, mas quando a tia Simá assumiu a festa isso mudou, as mulheres passaram a buscar o mastro no terreiro da mãe Felita, no Recanto dos Orixás, lugar que tia Simá expressava explicitamente a sua fé como umbandista.
Em muitos lugares de África, a culinária é tida como um instrumento de poder, pois acredita-se que pode edificar ou destruir alguém através do alimento, e hoje, afrodescendentes como os quilombolas do Quilombo de São Benedito são conhecidos por sua culinária, como a famosa barraca da tia Lurdinha, além da famosa feijoada do quilombo.
Tia Lurdinha é uma figura fundamental no legado do Quilombo de São Benedito, bastante conhecida por sua culinária, por ter sido uma das primeiras baianas da escola de samba Vitória Régia, e é uma personalidade marcante na memória do quilombo por sempre se impor e é uma inspiração como uma mulher negra forte e poderosa para as outras mulheres de sua família que vieram depois dela.