Irmã Helena Augusta Walcout
CONTE-NOS SUA HISTÓRIA
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Biografia Helena Augusta
Militante de direitos humanos
Texto Jéssica Valois ( Coletivo Ponta de Lança)
Quando dos alagados nasce uma líder: a militância de Helena Augusta Walcout
Zé do Caroço
[...]
Que o Zé do Caroço trabalha
Que o Zé do Caroço batalha
E que malha o preço da feira
E na hora que a televisão brasileira
Distrai toda gente com a sua novela
É que o Zé põe a boca no mundo
É que faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
Está nascendo um novo líder
[...]
(Leci Brandão)
No Brasil, na década de 1980, o direito à terra era uma questão emergente nos debates sociais e a principal força motivadora nas lutas das organizações de base pelo acesso a padrões mínimos de dignidade humana. Em muito, o que ocorreu foi o despertar para condição herdada por um processo histórico de segregação da classe trabalhadora: o de quando os negros alforriados, sem ter outra opção, subiram os morros, ou, em nossa realidade amazônica, ocuparam os alagados, as margens das grandes cidades. E se, posteriormente, eram inseridos nas áreas urbanizadas, estavam sob a condição de empregados domésticos, ocupando os quartinhos de serviços, numa retomada cruel às estruturas da senzala.
Nas paisagens dessa periferia manauara, conviviam os trabalhadores rurais que tinham suas propriedades tomadas por grileiros, ou que fugiam da fome por não ter mais terra produtiva para o plantio. Os seringueiros, cujo ofício se tornava obsoleto, frente uma Amazônia agora integralmente voltada às promessas de progresso da Zona Franca.
E, em grande número, por mulheres. Filhas de migrantes nordestinos, descendentes de negros e indígenas, trabalhadoras domésticas, as “crias da casa”, que ainda meninas eram enviadas do interior do estado por suas famílias em troca de um futuro melhor na capital, trabalhando como empregadas nas casas de seus “padrinhos” da capital. Autônomas, que saiam de suas localidades e percorriam a cidade vendendo toda sorte de produtos. Industriárias, em sua maioria mães solo, chamadas chão de fábrica nas grandes indústrias do Polo Industrial do Amazonas e que, posteriormente, seriam as primeiras a endossar as greves trabalhistas que parariam o distrito.
E é nesse território de disputas e de interesses antagônicos que surge uma mulher, negra, de força e solidariedade incalculável. Helena Augusta Walcott, popularmente conhecida como Irmã Helena, por sua vocação religiosa. Vocação essa utilizada ferrenhamente em prol da justiça social.
Filha de Lorenzo Walcott e Clarissa Knights, nascidos em Barbados, descendentes dos povos de Guiné Bissau e Senegal. Helena, caçula de sete filhos, nasce no Brasil, após a família estabelecer-se integralmente no país, por conta do trabalhado conseguido por seu pai na construção da estrada Madeira Marmoré.
Já ligada aos trabalhos da Igreja, teve como primeiro bairro de atuação a Compensa, localidade que ajudou a constituir, assim como, outros 8 bairros nas áreas leste e norte da cidade de Manaus, sendo estes Terra Nova, São José, João Paulo II, Zumbi dos Palmares I -II, Nossa Senhora de Fátima, Novo Israel, Armando Mendes e São Jorge. Além de Redenção, zona centro-oeste, e Japiim, zona sul. Entre estes processos de ocupação, Helena chama atenção para dois. O primeiro no bairro Redenção, que ganha esse nome por um processo de ressignificação do espaço frente a uma sociedade brutalmente racista, que chega ao limite de anular a humanidade do outro:
Não sei se vocês lembram, mas tinha um programa (filme), o “Planeta dos Macacos?” [...] Chamavam para esse povo pobre, que ia lá querendo também um pedaço de terra de Planeta dos Macacos [...] Pra eles era uma humilhação. Então, quem eram os macacos? O povo que ia lá atrás, as famílias que queriam um pedaço de terra. Eles eram considerados macacos! Então, o que nós decidimos? Vamos mudar o nome! [...] Então, foi aí que demos o nome de [nunca ouviram falar?] Redenção [...]. Então, Redenção era o antigo Planetas dos Macacos [...] (Helena Walcott – 15/07/2019)
O segundo acontecimento que parece ter lhe marcado profundamente ocorreu na ocupação que daria origem ao bairro Armando Mendes, em 1987: Na saída de uma reunião com comunitários, Helena sofre um atentado, comandado pelo grileiro Paulo Farias, que resultou na morte do jovem Altenor Cavalcante e, posteriormente, em seu exílio nos Estados Unidos, até 1997:
O garoto andava comigo para os pais receberem terra [...], ele tinha uns 10 ou 12 anos e andava sempre perto de mim, [dizendo] “Não vá esquecer de mim, não vá esquecer da mamãe e do papai!”[...] (Helena Walcott – 15/07/2019)
Mais uma vez, a possibilidade de contar a trajetória desta figura histórica, que aos 82 anos ainda transmite a mesma força e vigor ao compartilhar suas histórias, simboliza erguer toda uma cartografia invisibilizada que compõe as periferias de Manaus, em que os atores muitas vezes não têm nome e cujo os rostos são esquecidos pelos registros oficiais, muito ao revés dos grandes monumentos e das placas comemorativas que ornam as praças das áreas centrais da cidade. Assim, falar da vida e militância de Helena Augusta Walcott é reafirmar como as dores e as lutas dessa mulher negra são, assim como as de tantas outras brasileiras, compostas por pelo poder de uma resiliência que, longe de vitimizá-las, as potencializam.