Francy Júnior
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Biografia de Francy Junior
Historiadora - atriz - educadora
Entrevista Keila Serruya Sankofa
Texto Jéssica Dandara
“E eu dou graças a Deus, aos Orixás e às deusas, assim como várias crianças do Brasil, quando tem festa nos barracões das suas comunidades, porque sabem que vai ter comida, e sabem que é farto, e lá eles podem entrar e podem comer. Isso é memória.” Francy Júnior
Filha de Alrimar de Oliveira Santos e Mário Jorge Júnior, Francimar Santos Júnior, mais conhecida como Francy Júnior, nascida no ano de 1967, é historiadora e atriz, educadora popular e militante dos movimentos sociais. Tem sua trajetória marcada pelo movimento comunitário e de mulheres negras, sempre empenhada na luta pelo bem viver coletivo. Mãe e avó, o seu papel na criação de seus netos foi fundamental para a sua conscientização em relação ao direito das crianças.
Francy Júnior é nascida e criada no Olímpico, na rua Chave Ribeiro, intitulada “Cristo Rei”, comunidade católica, ligada à Igreja de São Geraldo, onde passou sua infância e adolescência, hoje é moradora do Monte das Oliveiras. Ela diz que iniciou sua vida de luta aos 7 anos de idade, na comunidade escolar, quando soube que era menina, preta e macumbeira. Tem em sua família uma fortaleza para a sobrevivência ao racismo cotidiano, em suas palavras:
“Se eu fosse uma criança que não tivesse a mãe e a avó que eu tinha, pessoas fortes… a minha mãe, eu tenho uma grande admiração por ela, porque ela é muito forte! Se eu não tivesse essa mãe que eu tenho, eu não estaria aqui, hoje, falando com vocês, não teria ido pra faculdade, as minhas irmãs também
não, porque muitas crianças que eu conheço, que hoje são mulheres, que estão assim na beira do fogão, ou limpando o chão, desistiram de estudar por conta disso (do racismo). Mas eu devo isso à minha mãe, à minha avó, à minha família, por ter conseguido vencer isso, porque é uma batalha, né? E é uma batalha todos os dias. Porque antes eu tinha 7 anos, hoje tenho 53 e continua a mesma batalha cotidiana”.
A infância foi o primeiro momento de enfrentamento de sua vida, quando teve que defender a si e às suas irmãs. Depois, aos 14 anos, quando conheceu Nestor Nascimento (o pioneiro na articulação do movimento negro organizado em Manaus), o qual sempre o ouvia falar sobre racismo. Depois conheceu o teatro, onde havia envolvimento dos textos com questões políticas.
Através de um projeto na escola passou a ter contato com o teatro e através dele também transitou no movimento social, pois haviam pessoas que discutiam questões sociais, dentre elas o próprio Nestor Nascimento, e pelos 16 anos passou a introduzir texto sobre essa temática em suas peças. Mas enfatiza que só passou a fazer parte dos movimentos sociais, de fato, através dos problemas do seu bairro, onde se engajou no movimento comunitário, se tornando até presidente aclamada e eleita.
Ao morar numa ocupação passou a ter consciência política, fundando a associação de moradores do bairro em que vive, iniciando seu processo de formação política, de fato, e de lá pra cá não parou mais.
A comunidade em que vive é composta, majoritariamente, por pessoas negras, de Salvador, Maranhão, Pará, que passaram a morar no bairro através do movimento de ocupação liderado pela irmã Helena, mulher preta e de luta, responsável pelo acesso à moradia de muitas pessoas do local. Foi nesta comunidade que nasceu o movimento de mulheres negras, o Mulheres Negras da Floresta - Dandaras, e posteriormente o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus.
Francy Junior cresceu tendo contato com as religiões de matriz africana, lugar de segredos, encantados, resistência, aprendizado, de preservação de uma memória que carrega consigo até hoje:
“Quando eu penso em memória eu penso na história, na minha história, na história da minha avó, na história da minha família, que vai se perdendo, tá se perdendo, não querem mais saber da religião de matriz africana. Eu professo a minha fé na igreja católica, mas eu não esqueço o meu ponto de partida, que é de onde eu fui criada. Nós comíamos das comidas dos Orixás. Nós passávamos, como minha mãe dizia, um “rafael” danado, então quando tinha festa no terreiro nós aproveitávamos pra comer. E eu dou graças a Deus, aos Orixás e às deusas, assim como várias crianças do Brasil, quando tem festa nos barracões das suas comunidades, porque sabem que vai ter comida, e sabem que é farto, e lá eles podem entrar e podem comer. Isso é memória.”